Duvidava de loucuras, descrente dos loucos mansos e das fórmulas mágicas.
A vida é um xarope e não dá presente, sabia. Por isso ia buscar, sempre, tudo. Limpava e arava e semeava e esperava. Plantava e colhia e fazia do trigo o pão, o suor molhando a massa, o forno aceso, a lenha queimando, no dia comum.
A vida é comum, comuns somos, todos, todos - constatava: o ritual matutino, a abertura do portão, o beijo nos seus, o trabalho, a rua, os passantes, o mês maior que a paga, as contas empilhadas, a roupa por lavar, a carta para escrever, o carimbo, o ônibus, a escola, o pique, a chuva.
Por isso o despertador tocava todas as manhãs.
Tudo comum, e ainda assim, nada, nada se repete ao olhar mais atento.
Daí o fascínio quando a luz esmorece e começa a se esconder, trazendo um estado d’alma que requer outra existência, tons crepusculares, entidades sutis quebrando a invisibilidade, temas fosforescentes, grilhões serrados, coração liberto, estrelas e sóis e álcoois. Poética e cantos e embriaguez e esperanças e bailados e encantamentos e sortilégios.
Por isso perfumava a tulipa da espiritualidade com essência de acácia, quebrada a de jasmim que viera nos dedos da manhã.
E duas existências se fundiam em uma, onde rotina e transcendência oscilam nos pratos da balança dizendo ser o pão necessário, mas nem só de pão vive o homem e os lírios do campo não cosem nem fiam.
Duvidava de loucuras até que o encanto rompia o embotamento.
Até quando via nos rostos a magia da graça, do riso, quando mesmo o pão não havia. E aprendia, mesmo que um pouco só.
Que um pouco só já fortalece. E ajuda a caminhar.
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