domingo, 16 de março de 2008

O que meu corpo abriga

"Eu não sei o que meu corpo abriga nessas noites quentes de verão..." É down em mim, a música. Cazuza cantava. Penso nela hoje porque algo em mim dói mais que ontem. Pensei em ir até a farmácia, mas lá só vende artificial, a alegria, e eu queria genuína. Luís Gonzaga Júnior, Gonzaguinha, em uma de suas composições, nos dizia de uma peregrinação pela cidade atrás dela, "que vendem barato em qualquer quitanda". Mas estava tudo fechado. Nada de alegria, felicidade, ânimo, cura, paz, a ausência desse não sei quê que faz doer agudo ou que nome quer que tenha isso que hoje aperta a alma mais que normalmente.
Alguém me enviou um poema certa vez. Anônimo. Falava na "ausência do que não tive". Não é incomum se sentir ausência do que não se tem ou não se teve. De amor? De sentido? Talvez essas sensações sejam apenas doença de verão. Ou podem ser doença de impossibilidades.
Acontece assim com os amores não vividos. Há até quem adoeça por eles. Muita gente nunca os teve, mas quem teve ou tem sabe que doem. Quem dentre estes não se perguntou como teriam sido, se possíveis? Quem não imaginou como seria compartilhar o sonho e a cama, os sussurros e segredos com o seu amor, desvendar-se, revelá-lo? Na sua fantasia, perfeita, ele lhe olharia com olhos cheios de amor também. Suas mãos seriam leves; seu corpo, quente; o encontro, pleno, verdadeiro, intenso. Seria fascinante, você imagina, ter podido sentir o toque e o calor da sua pele, suas mãos deslizantes pelas costas, o tracejar dos dedos redesenhando o contorno da boca, a cumplicidade nas bobagens ditas, no olhar pro teto, no beijo. O beijo. Pode acontecer de você nunca ter antes pensado no beijo até que uma noite ele lhe assalta em sonho, o beijo que você não provou, e lhe faz acordar assim, com saudade do que não viveu. Nostálgico. Às vezes patético. Você imagina muitas estradas, caminhos, histórias, e mais, muito mais, sem saber (nem saberá) se teria sido assim. Nunca é. Durante os momentos em que ele lhe revestiu de sentido a vida, você achou que podia ser amor e que valia a pena sentir, até de longe, até na ausência, até impossível. Ironia é que pelos descaminhos dessa mesma vida, ele não pôde florescer.
E quando o seu desejo, ciente das impossibilidades, resolveu insistir e permanecer, adormecido, sublimado ou latente, foi então que virou amor, atingindo a condição de amor impossível. Impossível consumar, possível sentir; às vezes em paz, em outras, com dor, sem direito a retribuição nem expectativas. Por isso talvez tantos deles morram. Não conseguem sobreviver por muito tempo, a não ser que se os entorpeça a contento. Talvez os entorpecidos ainda resistam porque muitas vezes são bem maiores que o grande nada de antes. Vêm então para preencher as lacunas de si que atormentam cada um.
E sem saber ao certo se são eles que lhe incomodam nesse fevereiro em meio à floração dos cajus, você se pergunta, como eu, o que seu corpo abriga nessas noites quentes de verão...