terça-feira, 21 de outubro de 2008

No mais...

estou indo embora.

Sem bloguicídio, sem exclusão.

Se me perguntarem, respondo. Por e-mail: mgp1967@gmail.com

‘Semeperguntarem’ cumpriu sua função terapêutica. Hoje me deu alta. Parto pro hospício real, a vida deládefora. Escrevendo outras coisas. N'outros cantos. “Outras palavras – nada dessa cica de palavra triste" etc, já dizia Caetano.

Agradeço as visitas dos meus irmãos de sangue: Márcio, Marcos. Amo vocês, sempre.

Às minhas amigas e amigos - irmãs e irmãos de alma: Alci, Aninha, Aninhaflávia, Evinho, Christian, Sandro, Renato, Hilminha.

Aos demais visitantes, não menos queridos. Poucos e bons que doaram um naco do seu tempo a essas leituras tão vãs e a essa partilha tão importante pra mim: Julinho, Oswaldo, Júnior, Roberto, José Correia.

Ao décimo-sexto leitor, artesão da palavra/poeta/escritor, texto primoroso, midc, que atendendo um meu pedido, deitou generosamente seus olhos por cá.

Um pedido de perdão pelo sumiço dos comentários, sacrificados, não por querer, no derradeiro bloguicídio.

Saúde!

Santé!

“Eu bato o portão sem fazer alarde, eu levo a carteira de identidade, uma saideira, muita saudade e a leve impressão de que já vou tarde...” (Chico/Francis)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Amor, então


Amor, então,
também acaba?
Não que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

(Paulo Leminski)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

E então, que quereis?...

Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

E logo

de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

nada de novo há

no rugir das tempestades.


Não estamos alegres,

é certo,

mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história é agitado.


As ameaças e as guerras

havemos de atravessá-las,

rompê-las ao meio,

cortando-as

como uma quilha corta as ondas.


(1927)


Vladímir Maiakóvski

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

de cajus e recidivas

Outubro, outono no outro hemisfério, e aqui, dizem, primavera. Só pra repetir o tema.

Chuva dos cajus lavando ligeirinho umas manhãs nostálgicas que vêm montadas na velha canção de Roberto: “mas o meu silêncio foi maior e na distância morro todo dia sem você saber”.

A distância.

O silêncio.
Há quem não saiba conviver com ele, me disseram. Há quem necessite dele.

Cá do meu lado, fico no meio-termo, este sim, pra mim, de difícil convívio. O caminho do meio, o equilíbrio, a escolha do sábio. Nem fiz retiro budista, nem faço meditação, nem domo os meus bichos. Nem pretendo. Nem tão cedo, pelo menos.
Aí soa estranho. Vazio. Nada mais que palavras.

Paroles, paroles, paroles.

Ainda me doem umas dores. Velhas, embora recentes. Chegam mais espaçadamente. Demoram menos tempo. Recolhem-se sem muito alarde.

Veloz na vida, lenta no sentir, no passar, no esquecer. Há quem seja o contrário.
Ligeiramente en retard, penso em tentar “a cura pelo fogo. Chamas em lugar de lágrimas”. A receita até que seria uma, mas lágrimas não há, José. E agora?

A mim, ruim de pose, resta tentar a pose dos resolvidos, maduros, racionais, objetivos, alegres e satisfeitos. E já me perdoando, por ser ela, em parte, verdade.

Será de todo, posso apostar, quando chegar o silêncio bom. Espero, ainda antes do fim da safra e das chuvas dos cajus.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

do que se foi

E eis que o tempo nos engole e não nos sabemos mais. Perdemos horas, dias, trens, passagens, direções. Perdemo-nos do que somos, do que fomos, do que seríamos. Deixamo-nos para trás em alguma rodoviária, velha angústia, dúvida, descrença, algum desconcerto, ranço, travo, amargor, aeroporto.
E eis que passamos e já não somos. Buscamos, por vezes, o que porventura ainda esteja, resista, persista, permaneça. O que possa trazer de volta um sonho antigo, uma esperança: o veleiro não construído na mocidade, os portos aonde nos levaria, as viagens sem fim, o mergulho sem volta dentro de nós, a profusão dos abraços que aqueciam os dias e as almas em tempo ruim.
E eis que temos ainda sonhos, mas do que tínhamos, o que ficou? Onde aquele brilho e doçura, aquela força, a fé inquebrantável no futuro, aquela vontade de ir além, e muito, e sempre mais? Onde aquela alegria genuína, não parva, brotada do saber do leque infindo de possibilidades mesmo diante das noites mais escuras? Onde o sorriso largo, o perdão?
Sem saudosismo, por vontade de resgate, cabe perguntar.
Talvez guardados no baú do quarto, hoje aberto apenas para a retirada das farpas de que lançamos mão para nossa “proteção” quando a guerra é declarada - o que se dá, quase sempre, de dentro pra fora.
Poderíamos ter sido muito, muitos, tanto, tantos mais. Podemos ainda querer, seguir, tecer uma manhã luminosa, um doce, um sal, um amor, uma certeza, uma lágrima alegre, uma boa busca, um cruzeiro, uma revolução, uma utopia, uma fraternidade. Como pudemos outrora.

Mas nos dispersamos.

“Nesses tempos de barbárie, qualquer canção de amor torna-se uma canção engajada” (Renaud)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

sábado, 11 de outubro de 2008

bons conselhos

Se eu fosse nascer de novo e pudesse escolher como seria, ia querer ser uma mulher burra. Razoavelmente burra. E bela. Suficientemente bela. Não que essa questão tenha lá alguma importância. Mas o médio nos dois quesitos, beleza e inteligência, ao fim e ao cabo, atrapalhou-me um pouco a vida amorosa.

Fiz um balanço dela porque passei dos 40, fui avó recentemente, e isso me meteu na cabeça caraminholas, por uns motivos, dentre os quais:

- a alegria dessa novidade tardou bem uma semana;

- a ficha do tempo passando caiu de vez.

Talvez o segundo motivo tenha causado o primeiro. Talvez seja uma grande bobagem, já que é pra saber que a gente passa mesmo. Mas não se acredita muito até dar-se conta de, o que nem sempre é tranqüilo, que o digam todos os relatos sobre a tal crise da meia-idade.

Pois bem. O balanço me fez pensar que em sendo bela, poderia adotar o comportamento que antigamente-diadesses neste município era considerado tipicamente masculino, na prática, mesmo por quem mascarava os julgamentos&falatórios com o discurso beauvoiriano.

Em sendo burra, não assustaria nenhum eleito, que entraria na mesma proposta, sem grandes, médios, nem menores dramas.

Como tal não se deu e outra vida não há, segui pensando, matutando e insistindo teimosamente em acreditar no tal do amor. Vezemquando desacreditando.

Meio ao balanço e a um papo sobre o desacreditar, um amigo me aconselhou a ser mais burrinha, sob pena de em não sendo, padecer sempre no tema. E disse mais: nunca vá com muita sede a nenhum pote.

Como não me deu as fórmulas nem lhas pedi, continuei sem saber como fazer pra adotar os conselhos recebidos.
Daí que nas raríssimas vezes em que encontro um bom pote, além de ir a ele com muitíssima sede, geralmente tropeço, feito a moça do leite, que de tanto sonhar no meio do caminho com o que faria com o dinheiro quando o vendesse, acaba deixando o bicho cair e pondo tudo a perder. E lá foi o leite escorrendo pelo chão, o pote quebrado de vez, que em ser de barro, cola nenhuma remenda mais.

Então decidi, a bem da felicidade e segundo uns indianos, montar no rato – o desejo – para que não me domine, mas seja dominado. E viver, apenas. Disse isso a esse amigo, não sem tirar o velho e bom Chico do bisaco pra complementar: "hoje tenho apenas uma pedra no meu peito e exijo respeito, não sou mais um sonhador/Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor e dou risada do grande amor". Mentira!

de pontuação, por Xico Sá

Exercícios de pontuação amorosa.

Xico Sá

"Sim, homem é frouxo, só usa vírgula, no máximo um ponto e virgula; jamais um ponto final.

Sim, o amor acaba, como sentenciou a mais bela das crônicas de Paulo Mendes Campos: “Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar...”

Acaba, mas só as mulheres têm a coragem de pingar o ponto da caneta-tinteiro do amor. E pronto. Às vezes com três exclamações, como nas manchetes sangrentas de antigamente.

Sem reticências...

Mesmo, em algumas ocasiões, contra a vontade. Sábias, sabem que não faz sentido prorrogação, os pênaltis, deixar o destino decidir na morte súbita.

O homem até cria motivos a mais para que a mulher diga basta, chega, é o fim!!!

O macho pode até sair para comprar cigarro na esquina e nunca mais voltar. E sair por ai dando baforadas aflitas no king-size do abandono, no Continental sem filtro da covardia e do desamor.

Mulher se acaba, mas diz na lata, sem mané-metáforas.

Melhor mesmo para os dois lados, é que haja o maior barraco. Um quebra-quebra miserável, celular contra a parede, controle remoto no teto, óculos na maré, acusações mútuas, o diabo-a-quatro, barraqueiros corazones.

O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada.

Nem no Crato... nem na Suécia.

Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever o “the end” sem uma quebradeira monstruosa.

Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava.

O mais frio, o mais “cool” dos ingleses estrebucha e fura o disco dos Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim.

O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo.

O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a primeira criatura ou com o primeiro traste que aparece pela frente.

E vamos ficando por aqui, pois já derrapei na curva da auto-ajuda como uma Kombi velha na Serra do Mar... e já já descambarei, eu me conheço, para o mundo picareta de Paulo Coelho. Vade retro."

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

desta noite

Eu queria te contar desta noite. A noite em que eu quis te matar em mim. A noite em que eu quis não te ver a cada momento em que deitava os olhos no céu. Em que quis que tua lembrança fosse não mais que ausência, tempo distante, brevidade. Da noite em que saí de casa e quando voltei não vi mais tua sombra no sofá vermelho, na cama, na cadeira escura, na memória.

Eu queria te contar uma história que não houve. De um tempo feliz em que nos encontramos, em que fomos sós e inteiros, em que nos perdemos sem medo, em que nos reconhecemos e nos demos as mãos.

Eu queria te contar de tudo o que ficou. Do verso derramado manchando a parede branca, da velha canção pairando sobre a casa, da calma amanhecida, do sono compartilhado. Do riso esparso perdido ecoando, iluminando o quarto escuro.

Mas já inventei de ti em mim uma presença tão funda, que mais não posso inventar.

Só te posso dizer da noite em que sobreviveste. Em que deixaste tua sombra à minha espera na mesma sala vazia, na mesma cama, no mesmo sofá vermelho.

E de uma saudade muda do que não fomos.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Des-semelhantes


Ele, noturno. Eu, matinal.

Ele, silêncio, eu, palavrão.

Ele razão, eu, passional

Eu, todo mundo. Ele, solidão.

Eu, mpb, ele, roquenrou.

Eu, botequim, ele bistrô.

Ele, erudito, eu, popular.

Signo de terra. Signo de ar.

Quase tudo

Quase nada

Ele, cinema.

Eu, madrugada.

ele analisa, eu sintetizo

ele se ausenta, eu me imobilizo

se impacienta, eu me desespero

ele indiferente, eu pondero

ele, em profusão

eu, sem ninguém

eu o desejo

ele me quer bem

ele, palavras,

eu, toda ouvidos

diferentes.

parecidos.

domingo, 5 de outubro de 2008

et pourtant. et encore.

Et pourtant je t’aimerais encore une fois, malgré ton départ sans adieu. Malgré les absences, la solitude, les larmes, la perte des rires et des mots, la peur. Pour toi je referais les mêmes fautes d’orthographe, de pensées, de sentiments.
Pour toi je me tromperais encore, et encore j’aimerais croire à la lumière du jour qui ne revient plus. Et encore j’aurais envie de plonger dans l’ombre à la recherche du trésor caché dans le puits de tes yeux à moitié fermés pour y boire les sons de ton âme fatiguée et sans espoir. Sans regret, je t’ouvrirais encore mon âme et mon corps et ma vie. Et je t’offrirais mes trésors à moi, sans réfléchir, sans hésiter, sans partir, sans te laisser tomber jamais.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

primeira noite

No rádio, a propaganda da 'maternidade-referência' e a música de fundo: “tutu-marambá/não venha mais cá/que a mãe da criança te manda matar...”

Ê nós!

Sentada no chão do banheiro mínimo, uma só janela por onde foge a fumaça. Ainda escuro, espreito o primeiro claro. Pensando. Aliás, cantando, pra não variar: “aqui os mortos são bons, pois não comem o pão dos vivos e não atrapalham em nada” – e era pra ser um canto de alegria. Ou não.

Cerâmica branca meia-parede, um grilo. Um grilo no portal, três pernas de cada lado, duas antenas grandes, um rabo, arremedo de mais duas atrás. Um grilo entrando no buraco da parede, o papel rolando, desenrolando no chão. Camelos como herança. O grilo e eu. Sem lua. Não sem grilos, que a um trocadilho cretino nunca pude resistir. De toda forma, o chão é frio. A noite, quente, longa e insone. Solidão e fumaça e café. E era pra ser uma festa. Ou não.

A bola amarela do sol dispersa as sombras. Amanhecem mirradas, evaporam, adensam nuvens recém-chegadas. Uma estrada, dois lados de mato, uma memória antiga, cheiro de manhã novinha, dor. Dormência. Trilha. Caminho. Chegada. Sérgio Ricardo, na vez: “tenho pra minha vida a busca como medida/o encontro como chegada e como ponto de partida”.

O que restou de terno em mim lembra a semente de feijão embrulhada pra presente.
Semente de hoje, mulher de amanhã. Espero, não uma a mais, sentada, mais adiante, em um chão de banheiro riscando no ar figuras de fumaça e cantando de memória coisas tristes.

Se no entanto há que ser assim, que assim seja, amém.
Melhor que matar o tutu-marambá.

Homenagem