terça-feira, 14 de outubro de 2008

do que se foi

E eis que o tempo nos engole e não nos sabemos mais. Perdemos horas, dias, trens, passagens, direções. Perdemo-nos do que somos, do que fomos, do que seríamos. Deixamo-nos para trás em alguma rodoviária, velha angústia, dúvida, descrença, algum desconcerto, ranço, travo, amargor, aeroporto.
E eis que passamos e já não somos. Buscamos, por vezes, o que porventura ainda esteja, resista, persista, permaneça. O que possa trazer de volta um sonho antigo, uma esperança: o veleiro não construído na mocidade, os portos aonde nos levaria, as viagens sem fim, o mergulho sem volta dentro de nós, a profusão dos abraços que aqueciam os dias e as almas em tempo ruim.
E eis que temos ainda sonhos, mas do que tínhamos, o que ficou? Onde aquele brilho e doçura, aquela força, a fé inquebrantável no futuro, aquela vontade de ir além, e muito, e sempre mais? Onde aquela alegria genuína, não parva, brotada do saber do leque infindo de possibilidades mesmo diante das noites mais escuras? Onde o sorriso largo, o perdão?
Sem saudosismo, por vontade de resgate, cabe perguntar.
Talvez guardados no baú do quarto, hoje aberto apenas para a retirada das farpas de que lançamos mão para nossa “proteção” quando a guerra é declarada - o que se dá, quase sempre, de dentro pra fora.
Poderíamos ter sido muito, muitos, tanto, tantos mais. Podemos ainda querer, seguir, tecer uma manhã luminosa, um doce, um sal, um amor, uma certeza, uma lágrima alegre, uma boa busca, um cruzeiro, uma revolução, uma utopia, uma fraternidade. Como pudemos outrora.

Mas nos dispersamos.

“Nesses tempos de barbárie, qualquer canção de amor torna-se uma canção engajada” (Renaud)

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