quinta-feira, 26 de junho de 2008

Soy libre?

Cada um escolhe suas amarras. Livre até certo ponto. Liberdade de ficar ou partir, de querer ou desquerer, liberdade relativa. O amor liberta, a gente é que faz dele mau uso, deixando-o com cara de cárcere. Artur da Távola, em seu belíssimo ensaio Do amor: ensaio de enigma, alerta para essa distorção. Escreveu que muitas, muitas pessoas mesmo, se unem por motivos como a solidão, o interesse, a carência, as afinidades, o desafio da conquista e até por amor. Poucas o fazem pela felicidade. E assim se deixam ficar até chegar o cansaço ou morrerem infelizes para sempre. É que- disse ele - o amor é leve e perfeito. Nós, imperfeitos, o sobrecarregamos com expectativas, podas, intolerância, cobranças, até que ele vire fardo, se esgote, se vá de vez deixando oco ou ranço. Uns poucos sábios saem antes, quando ele ainda pulsa mas já não encontra espaço, fazendo-o assim virar poema, lembrança, canção.
Em meio a histórias esgotadas, relações que morreram em presença, fica difícil vislumbrar saídas, fica difícil ver à frente um caminho aberto, cheio de luz. E nos deixamos ficar, tristes, acabrunhados, mal humorados, cheios de questões vazias - haverá um novo amor? encontrarei alguém? serei feliz? - cuja resposta está nelas mesmas. Questões que podem ser respondidas com outras questões pertinentes: há um amor agora? o que estou vivendo é um encontro? estou feliz?
Diante da negativa, não há porque choro nem vela. O recomendado, segundo Vinícius de Morais, é sair sem alarde, mansamente, levando uma muda de roupa e a escova de dentes. Porque virá sim, o luto. Mas dura, no máximo, acredito, uns três meses. Dói pra danado, intensamente, mas passa. Depois mostra o brilho da estrada nova. E o quanto não já doeu mornamente no durante?
É preciso coragem, é preciso destemor, é preciso força, mas vale a pena. Partir é também libertar-se. Ao deixar algo para trás, que nos fazia ficar atrás também, nos abrimos para o que pode vir. E o que virá pode não ser necessariamente alguém, mas há de ser amor. O reencontro amoroso consigo mesmo, com o seu eu mais profundo, submerso até então, que encerra porém, tesouros a descobrir.
O amor liberta. E há que se libertar o amor. Talvez seja hora, como no mito de Prometeu, de subir até o rochedo e cortar-lhe as amarras, dar fim ao seu suplício, ao invés de a cada dia bicarmos como abutres seu fígado. E como tudo vira canção, cantar também: "soy libre, soy bueno y puedo querer".

Nenhum comentário: