sexta-feira, 12 de setembro de 2008

do turismo local

Já deu a volta ao mundo sem sair da sua cidade? Se não, é hora de fazer esse tour, imperdível, coisa possível daqui mesmo de Natal.

Ponha os pés na areia d’África, visite os mocambos da África, casas de papelão, palha, taipa, alvenaria até. Umas em pé, outras de banda, escoradas na duna, dependuradas no fio invisível passando rente aos das altas tensões. Banhe seus olhos nas águas da África, fios de esgoto beirando as casas sem calçada ou calçamento, escorrendo, formando gretas depois no barro ressecado do chão. Veja as crianças da África, com seus animaizinhos de estimação, seus cachorrinhos sem petshop, suas pulguinhas de flor de cajueiro, suas facas de cozinha nas brigas de rua. As meninas semi-nuas, muitas, e muitas grávidas nem bem ainda despontam-lhes os seios. Umas dançando, em frente de casa, escutando não Ranchinho de Paia, mas o último hit de Aviões do Forró, o das letras inspiradas em raparigas, cabarés e temas afins. Em dias piores, manhã cedinho, capaz de algum corpo morto em campo de futebol de areia, como já foi dito por quem viu. Como já vi.

Quer conhecer? Logo ali, pertinho do rio-mar, ao lado do Potengi-Redinha, a comunidade da África: sem placa indicativa nem faixa de boas-vindas. Ainda assim, fácil de chegar.

Pode-se também conhecer o Japão. Um imenso labirinto, o Japão. Uma África natalense urbana. Uma Sidi Bou Said mais apertada, pobre, sem glamour, sem badulaques à venda em frente às portas, sem casas brancas de portas azuis. De similares, os sons e as gentes o tempo todo nas ruas-corredores. O labirinto. A gritaria, a balbúrdia, o burburinho incessantes, dependendo da hora do dia. De brinde, uns tiros à noite. A vista para o rio e seus barquinhos de papel higiênico usado, garrafas pet, sacos de lixo, bichos mortos, lama, podridão, passando, encalhando nas margens, oferecendo pasto pros moradores, um pedaço de madeira, um salvado qualquer. E, também, nas casas, na fachada, escrito em cima que é um lar, como na perdida gente humilde de Vinícius de Moraes. Sem varandas, sem poesia, sem flores tristes e baldias.
Acesso pelo vizinho bairro das Quintas. Há outros caminhos. O mais curto é esse.

Há outras opções. Outros lugares do mundo. Há Leningrado, dos assentamentos, como houve um dia a Coréia, dos mosquitos. Só pra falar em cidades e países estrangeiros. Há mais lugares, mas não nos alonguemos, não percamos tempo. Há muito o que ver além da bela Punta Negra. O panorama é que não muda muito, “y la pobreza es la misma/los mismos hombres esperan”, como na milonga de andar lejos, de Daniel Viglietti. Existindo, trafegando pelas ruas de cá, por mais que se os ignore. Esperar talvez seja seu grande mal.

Vale, ver, pois, sua cidade inteira, antes de dizer conhecê-la. E Daniel, que é uruguaio, pode bem ficar no canto dele, deixando o recurso a Caymmi parafraseado: “você já foi a Natal, nêga? Não? Então vá!”.


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