quinta-feira, 25 de setembro de 2008

só um dia

Ainda quis esperar um dia, uns dias, cantando, insistente: ‘pra mim, basta um dia, não mais que um dia, um meio-dia’. Quis, quis tanto que parei de querer pra me perguntar se queria de verdade.

Veio a madrugada enchendo o quarto do calor que não era do teu corpo, a insônia, o sono, o torpor, o susto, o medo, o desejo, a falta, o dia trazendo mais falta, mais ausência, mais calor que não era o teu.

Cantando, sempre: ‘como se fosse a primavera, e eu morrendo’. E querendo viver. E minha vida uma rota, roteiros, umas ruas, uns pés a pé, um carro, uma procura sem fim, do amanhecer à noite, cansada, cansada, casa fechada, cupins em festa devorando meus papéis e eu me perdendo e te perdendo, a cada momento, minuto, a cada dia um pouco mais. E te perdendo entre seios pernas bundas risos sons, molhando madrugadas tuas onde eu distante. E te querendo ainda: ‘me dá só um dia e eu faço desatar a minha fantasia’. E pensando ainda se te quis, te quero, se te perdi sem nunca ter encontrado, se nunca mais vou te encontrar.

E nunca mais é tanto tempo que nem vou estar mais aqui nem você nem nós nem ninguém mais. Mas sei, dentro em mim: não existe nunca mais, tanto quanto sempre não existe. Ainda assim te quero sempre, nunca mais te quero e já nem mais sei bem se quero. Nem o que quero.

Ainda achei que voltarias, voltarás, que não voltas. Em momentos distintos, difusos, à meia-luz, meia-sombra, confundo tudo. E penso às vezes que nunca vieste de verdade, nem inteiro, nem mesmo metade vieste.

A noite agrupa os fantasmas em torno da casa, as sombras crescem, a escuridão lhes dá outras formas.

Que venha o sol, que o hoje me dói, que a noite não tem fim, que as noites tem sido sem fim, impiedosamente sem fim.

Que venha o dia, que espero, cantando, ainda, querendo 'um dia pra aplacar minha agonia, toda a sangria, todo o veneno de um pequeno dia’.

( ' ' : fragmentos de Basta um dia, CBH)


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