terça-feira, 1 de julho de 2008

Carta a Antônio 2008

Caro Antônio,

Vou dizer umas coisas que eu não disse, coisas que você já deve saber, caso seja o bom observador que parece ser: há duzentos anos amei você. Amei do amor que cabia em todas as canções. Amor de arrancar tôco, amor demais, amor maior, amor em paz. Por esse amor eu faria de um tudo, coisas certas e erradas. Cometeria desatinos. Passaria a semana inteira comendo carne vermelha. Jogaria latas de cerveja na rua pela janela do carro. Faria o caminho de Santiago a pé, subiria de joelhos a ladeira da Sé de Olinda, iria ao Juazeiro pagar as promessas que não fiz ao padre Cícero. Deixaria de beber, de fumar, de falar do próximo quando distante. Compraria dois automóveis, todos dois pra ti, mesmo sem tostão. Meu caro Antônio, duzentos anos voam, mas ainda assim é muito tempo. Passei por todas as fases: a paixão fulminante, a desilusão, o desatino, o tempo da delicadeza. Chorei tanto que o Orós sangrou. Bebi tanto que quando parei fui procurada para dar palestras no AA. Se tudo passa e tudo muda, era preciso que você soubesse que tudo finda. Se eu quis tanto outrora, hoje já não quero saber os porquês. É muito simples: há o querer e o não querer. Você não quis. Tudo o que daí decorre, as razões todas para o não, já me afligiram, já me ocuparam o pensamento. Compreensiva que sou, compreendi todas elas e saí pela tangente do principal, do que eu não estava ainda preparada para perceber naquele século distante. Você não me quis.
Quando comecei a entender que era só isso, juro que me senti a quintessência do nada, a derradeira das criaturas, o cocô do cavalo do bandido e expressões semelhantes. Não era preciso nada disso. Eu já sabia que não era nenhuma beldade, sex symbol ou coisa que o valha. Já me aceitava assim mesmo, mediana no máximo. O nó de marinheiro foi aceitar o fato, não ter você, ter que desistir. Você sabia do meu amor. E me fez mal querendo fazer bem. Porque você é bom, mas agiu errado. Pelo seu cuidado, não me disse: vá, não lhe quero. Foi polido. Preocupado. Atencioso. Minha percepção estava tão distorcida que interpretei isso como possibilidade de querer, esboço de aproximação, alimento. Por isso demorei tanto a ver o que estava tão claro. Então vi.
Meu caro Antônio, hoje eu sei. Você não imagina nem de longe o que perdeu. Não sabe que eu tinha um tesouro pra lhe oferecer. Um tesouro sem preço, cheio de estrelas, entardeceres, canções, prazer, carícias, risadas, devaneios, cumplicidade. O tesouro que era o maior amor do mundo.
Mas duzentos anos se passaram. Você ficou em algum lugar distante na minha lembrança. Você não me entristece, não me desafia, não me instiga, não me atiça, não me alegra mais. Sei que você é raro, mas pra sobreviver lhe tirei o posto. Mandei você pra esfera dos comuns. A vida é assim, meu caro. O amor é assim.
Quero, se puder, lhe pedir uma coisa. Se um dia, por via sabe-se lá de quê, você pensar em mim, pense como algo bom. Pense que quero muito você feliz. Pense que você é precioso, não importa o posto que perdeu. Já lhe disse, foi estratégia de sobrevivência. Ele é seu e é merecido. E mais, se preserve. Não jogue pérolas às porcas. Mantenha distância de quem não souber lhe perceber, pois essas pessoas não valem a pena.
Meu caro Antônio, nesses últimos duzentos anos aprendi tanto! Tomei de volta minha vida em minhas mãos. Espero ter aprendido a amar, mais um pouco.
Daqui lhe envio meus melhores desejos, meu adeus, até breve, até um dia.

Maria


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