sexta-feira, 25 de julho de 2008

dos olhares

Devo estar ovulando - pensou. Ou estava dormindo até então, só podia ser isso.

Ruinzinha como era pra perceber olhares, sempre tinha vivido as histórias afetivas mais improváveis de darem certo.
A mãe disse uma vez só em toda a vida: "é, você é uma moça 'até' vistosa". Insegura como quê, não se percebia lá muito bem. A timidez piorava as coisas. Família grande, zelosa, preocupadíssima com o seu futuro intelectual, não podia alimentar vaidades, assuntos menores. Sentenciou, pois: "não fosse pelo seu esforço em aprender, sua curiosidade intelectual, você seria nula", ou algo assim. Absorveu por um tempo longo isso. Depois mandou às favas as expectativas dos outros e tratou de ir ser feliz. Vendeu os livros no sebo, gastou os trocados com roupas, perfumes, batons e outros mimos. A natureza ajudava, os esportes completaram o serviço. O corte de cabelo anos 80 foi definitivamente abolido. Com o resultado, satisfatório, os olhares proliferaram. Aí ficou com saudade dos livros, tratou de arrumar trabalho, voltou aos sebos, comprou outros livros, abandonou os esportes. O primeiro investimento era mesmo o que lhe agradava. Desdenhou os olhares e foi tocando a vida.
Agora inaugurava outra fase só. Novamente. Em uma cidade com tantas mulheres, o tempo jogando contra não ajudava muito, mas, surpreendentemente, voltaram os olhares. Outros, de mais velhos, mas ainda assim, inesperados.
_ O problema não é com você. É com sua cabeça. Até tem quem queira, mas você é que parece ter a mira torta, fora de prumo - disse o espelho.
Começava a achar que ele tinha razão. Pensou na trajetória do passado. Na maior parte das poucas e longas histórias que vivera, tinha sido escolhida. Não deram lá muito certo. Ou deram, por algum tempo. Nas que quis viver, nas escolhas que queria fazer, invariavelmente não encontrava ressonância. E de repente, depois de tanto tempo, abriam-se algumas portas, tinha algo de novo no ar.
Voltou ao espelho, que como o de Cecília, tinha alguns anos a mais que ela. Capitulou: "você venceu. Vou tratar de aprumar a mira. Aproveitar a ovulação para retribuir os olhares que podem valer a pena".
Era hora de acordar.

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