segunda-feira, 11 de agosto de 2008

da partida

A saudade é parafuso. Trem de metrô. Tema recorrente. A saudade é um avião indo embora.
A ausência é um soco na boca do estômago.

Ele me disse que haviam dois: o que existe; o que eu inventei.

E eu queria um minuto do primeiro. Bastaria. Um riso. Um oi. Um olhar. Um abraço. Um momento para aplacar a falta. Pra desenevoar os olhos. Pra fazer voltar o brilho. Contento-me com pouquíssimo, quando mais não há. Apenas futuros bons amigos.

E eu queria tudo do segundo. Risos. Poucas palavras. Calor de corpos em mistura nossa. Enlaçar de línguas, confusão de pernas, reencontro de pele, espaços mínimos entre nós. Seiva, sem lágrimas. Gozo e suor. Fome saciada. Silêncio bom. Sou ambiciosa quando é possível.

Quando o mundo cai, perco tudo. Esqueço, não dou atenção a chaves, carteira, telefones, guarda-chuvas. Uns doidos amigos meus da Física me falaram de um universo paralelo pra onde vão os objetos perdidos. É o universo das coisas desaparecidas - uma boca de buraco negro onde elas ficam gravitando até serem sugadas pra dentro, e aí, já foi. Nunca mais. Por obra da atração desse universo sobre as tais coisas, perdi telefone. Por obra da dor de cotovelo também. Calha de eu beber demais quando dói. Calha de eu perder objetos quando bebo demais. Aliaram-se os dois - o universo e a dor - na sabotagem. Por obra desse encadeamento de reveses perdi de ouvir a voz dele. Talvez de vê-lo.

Talvez ele nem quisesse mesmo, de fato, aí tudo caiu como uma luva. Juntou a falta de fome com a vontade de não comer. Depois se foi. E depois não há. Ou há. Não sei. Com ele nunca sei. Só estou. Espero. Disponho-me. Sinto. Preciso. Quero.

Um dia não vou querer mais além do primeiro. Ele deve esperar por isso. Ou nem pensar, também não sei. Se sim, poderemos nos ver mais, rir juntos de tudo e de nada, de coisas corriqueiras, de coisas sérias. Ser amigos, talvez.

Hoje ele pensa que eu complico. E eu sei que sou descomplicadíssima. E fico imaginando como seria a situação inversa. Em como lidaria com ela se tivesse nas mãos o domínio da história. Acho que eu seria boa. Como acho que ele é bom.

Gosto do primeiro, do que existe, de quem conheço pouquíssimo, como diz. Mesmo sabendo que não se tornará o que inventei. Que não há caminho para nós. Que não há a contrapartida do querer.

Hoje se foi sem que eu o tivesse visto. A cada minuto, mais se distancia. A cada milha, mais dói. As olheiras aumentam - acúmulo de noites insones de olhos lavados – e não tenho mais fome.

A ausência é um soco na boca do estômago.

Aconselhável é não esquecer que vai passar.

“A saudade é um trem de metrô.
Subterrâneo obscuro escuro claro, é um trem de metrô.
A saudade é prego, parafuso.
Quanto mais aperta, tanto mais difícil arrancar”.
(Zeca Baleiro)

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