quinta-feira, 14 de agosto de 2008

do despertar

O frio já durava, e a vida, esquecida lá fora. Pela trama da coberta via o mundo. Pálida, morna, quieta, à espreita de não sabia o quê. O vestido vermelho mofando, esperando, no guarda-roupa.

Pensou no tempo precioso despendido. Nas horas mortas. Silenciosas. Ensurdecedoras. Líquido e sal vertidos. Estradas não trilhadas durante a escuridão. Poemas queimados, retratos guardados, canções caladas, desencontros. A poesia de Federico embalando uma tristeza funda no dilúvio da cidade nordestina .
À noite, um morcego entrou em casa, desnorteado, deu voltas pela sala, enveredou pela porta do quarto, escolheu a janela fechada, aquietou-se. Sinal? O susto rompeu a letargia. Expulsou-o, apavorada, sem ter por quem chamar. Fechou de novo a porta.
Pensou então nos porquês todos e na ausência de reações por tanto tempo. Pensou que o mês findava, a estação findava. A desesperança teria que findar também.

Amanhecendo, quis um novo caminho. Promessa de primavera se avizinhando.
Abriu primeiro as janelas. Depois as portas. Deixou o sol invadir a sala, a casa, a alma. Correu os olhos em volta, dobrou o medo, guardou-o na gaveta, trancou-o à chave. Soltou os cabelos, respirou longo, tomou uma dose de bálsamo do tempo, pôs o vestido vermelho. Sem hesitar, ganhou o mundo, que a vida real se impunha. E desejou-a inteira e intensa, que não havia nada a perder.

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