quarta-feira, 6 de agosto de 2008

De fantasmas

Em um desses dias que o sol não aquece, uma dessas manhãs em que a cabeça se recusa a pensar, decidiu sair à procura. A noite insone, de assombrações espalhadas pela casa revirando coisas, empurrando portas, semeando sombras, acentuou-lhe as olheiras. Na manhã tardia, de luz ferindo os olhos, o vento era escasso e o tempo incerto. Vestiu-se apressado e seguiu.

Parecia que pra todo mundo tinha sido assim também, aquela noite. Na rua, ficou sem saber, dos poucos passantes, se eram vivos ou os mesmos fantasmas da véspera. Desceu a ladeira parando nas esquinas, indagando dos muros, dos últimos vigias sonolentos, onde poderia encontrar. Subiu a avenida, pegou a estrada principal, sempre olhando as calçadas, procurando um rosto, uma pista, um sinal. As casas passando, oficinas, farmácias, botecos, oscilavam entre hostis e desconhecidos. Só as árvores enfileiradas num dos lados do caminho traziam algum conforto. Foi assim a passagem até chegar ao velho bairro. Nele tudo estava diferente. Nada das construções primeiras, dos primeiros moradores, das casas de muro baixo, das cadeiras nas calçadas. Nenhum rosto conhecido, que se porventura remanescente, hoje se resguardava, protegido por cerca elétrica qualquer. O vendeiro era outro, os vizinhos também. Nada por lá.
Fez o caminho inverso, confuso.
De volta à casa vazia, encerrou a busca.
De quem ou do quê nunca soube. Talvez de consolo, perdão. Talvez de alguém que um dia deixou. Talvez de uma vida que ficou para trás: vozes amigas, calor, certezas, alegrias; de tempo bom que não volta mais.
Chamou a faxineira, apressado. Mais que hora de varrer dali a poeira dos anos e expulsar os fantasmas. De vez.

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