sexta-feira, 29 de agosto de 2008

do mundo

Há dezoito anos teria sido uma moça como eu fui. Não fosse surda. Muda. Doente.

Não posso precisar que idade tem hoje. Uns quarenta? Talvez menos. Óculos, cabelos curtos, alguma beleza ainda, alheamento, uma sombra de raiva por trás do olhar. Ou de medo. Ou apatia - transfigurada, na minha imaginação.

Teria sido “normal” há dezoito anos? Viria a ter marido, filhos, netos, lar? Trabalharia, viajaria, estudaria?

Não sei quando aconteceu o corte, a ruptura com o mundo. Se vinha do berço ou tinha se dado há dezoito anos.

Na casa pequena, pobre, as três mulheres. Ela, a mãe, a filha. Ela sem falar, sem ouvir, olhar fixo em mim, sem parecer ver, entender nada.

A filha, olhos inteligentes, aparelho nos dentes, sorriso sem alegria, explicando: - assino por ela. Respondo por ela. Vou pra universidade, estou no pré-vestibular. Ele vai ter que pagar, de algum jeito.

Não era o pecado que morava ao lado, mas o perigo que morava em frente.

Estupro. Há dezoito anos. Demência. Causa ou conseqüência.

E saí pensando nos trituradores de sonhos. Na moça que não tinha sido feliz, como um dia fui. Na outra moça, que nunca mais será feliz como um dia fui.

No mundo, que é assim mesmo, que sempre foi, que talvez nunca deixe de ser.

E sabendo ser assim mesmo, segui pensando em por quais motivos ainda me dói.

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